segunda-feira, 26 de maio de 2014

Uma Introdução


Acordo, são 6 da manhã, o celular desperta, um violão, uma música falando sobre o tempo. Pego meu celular, não tenho sono, mas decido apertar o botão soneca e ganhar mais dez minutos de procrastinação. 6:10, 6:20, 6:30, até que cancelo o alarme e decido ficar em casa. Me imaginei voltando pra casa dos meus pais no interior, chegando com a sobrancelha franzida, dizendo a minha mãe que fracassei. “Não consegui mãe, desisti. Me deixa fracassar, pois não quero fazer nada da minha vida” –pensei. Levanto-me às 9:42, vou até o banheiro, e sem lavar a remela dos olhos já pego a minha escova de dentes, meu creme dental branqueador para dentes sensíveis que meus pais pagaram, quase desisto. Prossigo com a escovação, e uma enxurrada de pensamentos sobre o provável invade minha cabeça, “porque diabos tenho de ser conivente de obrigações, se sequer dei aval pra nascer em uma sociedade?” –pergunto mentalmente a meus pais.
Ai de mim. Devia estar na aula. Dane-se. Ligo o computador e vou jogar. Perco. Desisto. De repente percebo que há tempos não transo, não tenho tido saco pra mulher também. Tento escrever sobre. Desisto. A vida já havia se tornado maçante, depois das mulheres, da bebida, das causas sociais, o universo parecia se fechar pra mim, côncavo, preto, mas tinha meu orgulho. O orgulho de quem chega em uma mesa de bar, a mulher da esquerda já tenta mediocremente não demonstrar interesse, e termina a noite em uma cama comigo, e a manhã da mesma noite acaba sem troca de telefone (na verdade termina sem sequer troca de nomes ou experiências). Tem sido meu orgulho, e o orgulho me enoja às vezes.
Sou uma pessoa sem causa, no meio de uma turma da faculdade de filosofia que ama as causas políticas, fazer o que, as pessoas se justificam e as causas são sempre nobres, não entendemos a natureza humana, mas quando se faz parte de um grupo de humanistas, tende-se a querer sobrepor o intelectualismo à natureza do homem. Besteira, eu quero é transar. Transo mais que eles, e como nós homens pensamos em sexo o tempo inteiro, sou mais natural. Foi assim que meu amigo escritor me explicou, claro que o discurso dele foi mais complexo, mas tô com preguiça de escrever essa história, sou um poeta maçado pela prática da escrita pelo cansaço que me dá usar as mãos para teclar, ou escrever ou até passar a limpo (passar a limpo, meu deus, que absurdo). Ah, e sim, sou poeta. Pelo menos digo de forma orgulhosa que sou poeta. As garotas gostam. O rosto sério e com expressões de descaso intimida, e pessoas nunca sabem quando te levam a sério ou quando devem perceber que você só está praticando a arte de ser um incoerente. Me permito ser incoerente ou hipócrita, é divertido quando se está perto de pessoas que não têm em suas sensações a complexidade da vida; que não sentem isso.
Paro de pensar na sociedade, nos meus pais, vou fazer um café. Café e cigarro, a libertação dos meus 5 minutos que procedem depois de acender meu tabaco. “Tabacaria” de Fernando Pessoa, meu deus, que poema! Depois de um ano de reclamações sobre o cheiro do meu cigarro, por parte dos moradores do pequeno sobrado que moro no centro da cidade, ainda não consegui me privar da melhor das sensações que é meu café e cigarro nas manhãs de terça feira (desisti de pegar aulas nesse dia). É um tanto quanto difícil lidar com a rinite e com a fraqueza de pulmão, devido a uma bronquite
e que tive quando criança, mas tento pensar que é uma forma de limitar minha caminhada no tempo da vida, tirar de mim aquele peso de quem almeja ou tem que almejar um certo tipo de vitória ou conquista. Todos os meus amigos que pararam de fumar dizem isso com certo orgulho, acho que no fundo eles agradecem por ter fumado, senão de que forma poderiam se gabar dessa “conquista”. Amigos, meus irmãos, sentados no bar, todos orgulhosos da merda que venceram na vida, mas no fim da noite ninguém nunca chora, ou diz que é frágil ou que foi frágil.
No bar eu fico na mesa dos velhos. Um deles, aos seus 56 anos, adora se gabar dos filhos. Um rapaz branco de cabelo liso, frequenta academia, tem braços grandes, deve transar muito. Será que eu fico atrás? No interior aprendi que nada intimida mais do que uma quantidade de mulheres no menu (isso soou meio machista mas isso é um livro, e posso falar nele sobre uma cultura que vivi). Eu nunca tive um menu, eu tive circunstâncias, e talvez por força do destino, sempre que estive com belas mulheres, tive,,,,,,, testemunhas para demonstrar o poder do pseudo-poeta que recita, encara e cativa o sexo feminino. Como era bom ter o prazer do sexo e do reconhecimento ao mesmo tempo! Era? Ainda é. Eu é que estou me abstendo de chegar chegando nos locais, abocanhar uma vagina, e sair com o olhar de quem aprendeu que a mente da mulher não é complicada para os homens, os homens é que não sabem descomplicar o fato de que não são as palavras que cativam as mulheres, mas a estética de quem as diz. Não falo sobre estética dizendo simplesmente que sou bonito, mas de algo que engloba tudo que você faz enquanto carne. Até a palavra tem uma estética. Os sons têm forma, os olhares têm forma, e o processo de significação das formas usado pelas mulheres é muito fácil de decifrar. Não é sobre ser carinhoso, não é sobre caráter, é sobre uma cadeia de palavras ditas com determinado tom de voz, em determinadas circunstâncias, com certas gesticulações. A conquista é uma arte, e a arte apesar de querer ser livre estará sempre fardada ao exprimível, às experiências, ao sistema nervoso.
Não me julgo ninfomaníaco, nem tampouco um “fodão”. Sou um cara que aprendeu a conquista e o sexo, e se gosto não é simplesmente porque é natural gostar dele, mas porque ele me leva ao reconhecimento, o qual gosto culturalmente, sou conivente disso. Educação, sociedade, já desisti. Admiti na oscilação de minhas crises existenciais que sou um acidente, estou condenado a ser esse acidente até o fim de minha vida. Coisas agindo sobre coisas, a vida agindo sobre você, toda a merda que eu fiz é fruto de coisas anteriores e essas coisas frutos de outras coisas. O acidente da existência é sempre chato, é uma prática sem finalidade, assim como a amizade, o amor e a verdade. ‘Toda finalidade é uma ilusão, então eu vou foder com a minha” -pensei ao colocar a caneca de café sobre a mesa do computador.
No mais vou parar de falar sentimentalmente sobre meus conceitos, vou parar de achar alguma coisa e escrever esse livro. De forma simples, indiscreta, e quero vende-lo. Serei um mercenário da escrita, por estar convicto de que na vida não vou achar causas e ideais, e provar a todos esses garotos de academia, de fotos sorridentes, de grupos de jovens da igreja, que NINGUÉM COME MAIS QUE O POETA.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Fumar na Rua

Numa dessas rotinas diárias de ócio, vídeo games e fast food de microondas, estava eu deitado no sofá assistindo ao Universal Channel quando entra pela porta minha companheira de apartamento. Ela passa por mim em direção à cozinha, sinto o cheiro de cerveja (ela devia estar no bar), ouço o som da geladeira se abrir e fechar, ela volta pra sala, fica alguns segundos olhando para a tv e pergunta: -Vamos na feira na praça universitária?
Sinceramente, meu ânimo estava esgotado. Esgotar os ânimos sem um porque... É hilário! Chega a me lembrar uma frase que minha mãe sempre dizia durante meus momentos de crise existencial, "mente vazia é oficina do Diabo", e como oficina me lembra trabalho e trabalho me lembra a falta de opções que temos na vida, resolvi ceder e caminhar até lá.
Caminhamos algumas dezenas de metros em silêncio e ao chegarmos à praça e inalarmos aquele estranho odor, uma mistura de frituras, cozimentos e maconha, resolvemos atravessar as barracas da feira e nos sentar em um dos bancos de cimento pra descansar. Como eu queria uma cerveja, pensei comigo mesmo após constatar que não tinha dinheiro.
Ficamos sentados um tempo, observando as pessoas que faziam caminhada, e o trenzinho que carregava algumas crianças por entre os bancos.
Quando veio ao corpo mais energia e à cabeça mais vontade, levantamo-nos e fomos até a parte superior da praça. Havia um teatro de rua. Eles cantavam, eram coloridos, entusiasmados. Na tentativa de me contagiar com um pouco mais de "alegria" me sentei no chão ao lado de minha amiga pra assistir ao espetáculo.
Pena! Tentativa frustrada! A peça já estava no fim. Um dos atores passava pelo público e distribuia balas pregadas a um bilhetinho com uma frase da Cora Coralina, e no meio do palco uma gordinha cantava com o microfone a falhar. Chateado, levantei-me do chão, me escorei em uma palmeira, tirei o maço de cigarros do bolso, coloquei um entre os lábios e traguei pra relaxar.
Eis que começo a sentir cutucadas na cintura. Comecei achando que a fumaça do meu vício estava a incomodar alguém e me virei já pronto para pedir desculpas. Não vi ninguém. Olhei para os lados, buscando a vítima do meu tabaco e não achei. Senti cutucarem de novo e foi então que olhei pra baixo. Era um garotinho da metade da minha estatura, estimei para ele uns dez anos. Estava a me olhar mas não nos olhos. Seus olhos se mexiam descontroladamente, parecia não conseguir focar a visão em nada. Estavam também ligeiramente avermelhados.
Ele toca de novo a minha cintura e diz: -Dá um trago aí, moço- Sim, um trago. Um trago como aquele que seu amigo te dá, quando juntos repartem o último cigarro do maço. Achei desconfortável. Recusei com estranheza. "Não vou dar um cigarro para um menor de idade", foi o que eu disse. O garoto ficou imóvel por alguns segundos. Levou aproximadamente 15 segundos para então voltar a insistir que queria fumar.
Comecei a pensar que era um trombadinha. Ele não parava de olhar pros meus bolsos. Virei meio de lado na tentativa de evitar um possível furto e acabei por olhar suas mãos. A mão esquerda estava cheia de erva e a direita a esfarelar o produto.
De repente, vejo ao lado dele um rapaz da minha altura (devia ter uns dois anos a menos que eu). Me perguntava o porque de eu não ceder às vontades do garoto. -Só por ele ser de menor?- perguntou ele retoricamente, como se fosse o mais fútil dos motivos e começou a citar razões para que eu desse meu cigarro à criança. "Você não sabe quantas carreiras de pó esse menino cheira", "o moleque aí curte é lança", "esse noinha aí já tomou até ácido", foram alguns dos argumentos do rapaz.
O menor, já no meu canto, chegava cada vez mais perto do meu bolso onde se via o volume da carteira, e o outro cara continuava a me persuadir.
Com o cigarro pela metade e uma baita dor de cabeça, olho pros lados à procura de testemunhas. Fico alguns segundos calado, pensativo e até pesaroso. Entrego o fumo meado para o jovem mais velho que me chantageou e saio sem dizer nada. Vejo que a minha amiga passa pelo lado oposto da palmeira e me encontro com ela alguns metros à frente.
Fiquei calado. Passamos pelo bar e a vontade de uma cerveja ficou mais forte. Que inveja eu tinha daqueles playboys bebendo e rindo! Toquei meus bolsos pra ver se a carteira estava lá (e estava), acendi um cigarro e fui embora sem sentir culpa.