sexta-feira, 28 de março de 2014

Fumar na Rua

Numa dessas rotinas diárias de ócio, vídeo games e fast food de microondas, estava eu deitado no sofá assistindo ao Universal Channel quando entra pela porta minha companheira de apartamento. Ela passa por mim em direção à cozinha, sinto o cheiro de cerveja (ela devia estar no bar), ouço o som da geladeira se abrir e fechar, ela volta pra sala, fica alguns segundos olhando para a tv e pergunta: -Vamos na feira na praça universitária?
Sinceramente, meu ânimo estava esgotado. Esgotar os ânimos sem um porque... É hilário! Chega a me lembrar uma frase que minha mãe sempre dizia durante meus momentos de crise existencial, "mente vazia é oficina do Diabo", e como oficina me lembra trabalho e trabalho me lembra a falta de opções que temos na vida, resolvi ceder e caminhar até lá.
Caminhamos algumas dezenas de metros em silêncio e ao chegarmos à praça e inalarmos aquele estranho odor, uma mistura de frituras, cozimentos e maconha, resolvemos atravessar as barracas da feira e nos sentar em um dos bancos de cimento pra descansar. Como eu queria uma cerveja, pensei comigo mesmo após constatar que não tinha dinheiro.
Ficamos sentados um tempo, observando as pessoas que faziam caminhada, e o trenzinho que carregava algumas crianças por entre os bancos.
Quando veio ao corpo mais energia e à cabeça mais vontade, levantamo-nos e fomos até a parte superior da praça. Havia um teatro de rua. Eles cantavam, eram coloridos, entusiasmados. Na tentativa de me contagiar com um pouco mais de "alegria" me sentei no chão ao lado de minha amiga pra assistir ao espetáculo.
Pena! Tentativa frustrada! A peça já estava no fim. Um dos atores passava pelo público e distribuia balas pregadas a um bilhetinho com uma frase da Cora Coralina, e no meio do palco uma gordinha cantava com o microfone a falhar. Chateado, levantei-me do chão, me escorei em uma palmeira, tirei o maço de cigarros do bolso, coloquei um entre os lábios e traguei pra relaxar.
Eis que começo a sentir cutucadas na cintura. Comecei achando que a fumaça do meu vício estava a incomodar alguém e me virei já pronto para pedir desculpas. Não vi ninguém. Olhei para os lados, buscando a vítima do meu tabaco e não achei. Senti cutucarem de novo e foi então que olhei pra baixo. Era um garotinho da metade da minha estatura, estimei para ele uns dez anos. Estava a me olhar mas não nos olhos. Seus olhos se mexiam descontroladamente, parecia não conseguir focar a visão em nada. Estavam também ligeiramente avermelhados.
Ele toca de novo a minha cintura e diz: -Dá um trago aí, moço- Sim, um trago. Um trago como aquele que seu amigo te dá, quando juntos repartem o último cigarro do maço. Achei desconfortável. Recusei com estranheza. "Não vou dar um cigarro para um menor de idade", foi o que eu disse. O garoto ficou imóvel por alguns segundos. Levou aproximadamente 15 segundos para então voltar a insistir que queria fumar.
Comecei a pensar que era um trombadinha. Ele não parava de olhar pros meus bolsos. Virei meio de lado na tentativa de evitar um possível furto e acabei por olhar suas mãos. A mão esquerda estava cheia de erva e a direita a esfarelar o produto.
De repente, vejo ao lado dele um rapaz da minha altura (devia ter uns dois anos a menos que eu). Me perguntava o porque de eu não ceder às vontades do garoto. -Só por ele ser de menor?- perguntou ele retoricamente, como se fosse o mais fútil dos motivos e começou a citar razões para que eu desse meu cigarro à criança. "Você não sabe quantas carreiras de pó esse menino cheira", "o moleque aí curte é lança", "esse noinha aí já tomou até ácido", foram alguns dos argumentos do rapaz.
O menor, já no meu canto, chegava cada vez mais perto do meu bolso onde se via o volume da carteira, e o outro cara continuava a me persuadir.
Com o cigarro pela metade e uma baita dor de cabeça, olho pros lados à procura de testemunhas. Fico alguns segundos calado, pensativo e até pesaroso. Entrego o fumo meado para o jovem mais velho que me chantageou e saio sem dizer nada. Vejo que a minha amiga passa pelo lado oposto da palmeira e me encontro com ela alguns metros à frente.
Fiquei calado. Passamos pelo bar e a vontade de uma cerveja ficou mais forte. Que inveja eu tinha daqueles playboys bebendo e rindo! Toquei meus bolsos pra ver se a carteira estava lá (e estava), acendi um cigarro e fui embora sem sentir culpa.


Um comentário:

  1. Gostei! Gostei mesmo! Seco. Direto! A meu ver, é por aí, Erick! Sem inventar beleza... Precipuamente contar a realidade. Mas há algo que difere do jornalismo, a pessoalidade que há aí no seu conto. Isso traz ao conto poesia (gênero pessoal). E traz também realidade, porque esta história de impessoalidade do jornalismo, não cola né? Essa ideia de que não existe um cara que interpreta ou um ponto de vista, mas a verdade... Blargh! Quanto a sua narrativa, ótima!

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